quinta-feira, 18 de abril de 2024

A importância do Teste do Hidrogênio no Ar Expirado como método diagnóstico de SIBO

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Nosso IGASTROPED oferece a realização do Teste do Hidrogênio no Ar Expirado para o diagnóstico de SIBO com sobrecarga de Lactulose ou Glicose, para crianças e adultos de quaisquer idades, bem como para o diagnóstico das intolerâncias aos carboidratos da dieta, a saber: Lactose, Sacarose, Frutose e Frutanos.

Para agendar a data do exame favor entrar em contato com a Sra. Tatianne Rocha no telefone (11) 988427324

Introdução

Vale esclarecer que a sigla SIBO representa a abreviatura em língua inglesa da entidade clínica Small Intestinal Bacterial Overgrowth, cuja tradução literal para o nosso idioma significa Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado.

SIBO é definida “como uma enfermidade na qual o intestino delgado está anormalmente colonizado por um número aumentado e anormal de microrganismos da flora colônica”.  

A importância do teste do hidrogênio no ar expirado

O Teste do Hidrogênio no ar expirado trata-se de um método diagnóstico não invasivo, reconhecidamente de grande eficácia, desde longa data, pela literatura médica internacional, e cuja experiência em nossa clínica data desde os primórdios da década de 1980. É importante enfatizar que este teste não invasivo veio substituir com inegável vantagem o antigo teste de tolerância, que além de ser invasivo, envolve inúmeras coletas de sangue de forma sequencial por um longo período.

Mecanismos de proteção do intestino delgado para evitar a colonização bacteriana

A Figura 1 representa esquematicamente de forma estilizada a distribuição normal da microbiota do trato digestivo. Em condições normais ao longo do trato digestivo no sentido craniocaudal ocorre a presença de bactérias Gram + nas porções altas do intestino delgado, não superando a concentração de 104 colônias por mililitro de secreção jejunal. À medida que nos aproximamos do intestino grosso, em particular no íleo terminal a flora bacteriana aumenta e começam a surgir as bactérias anaeróbias Gram negativas. Ao cruzar a válvula ileocecal a população bacteriana colônica aumenta significativamente alcançando cerca de 1012 colônias por ml, que é praticamente idêntica a encontrada nas fezes. 


Figura 1- Modelo esquemático da distribuição normal da microbiota do trato digestivo.

O intestino delgado sadio utiliza vários mecanismos protetores para evitar a colonização bacteriana pela microbiota anaeróbica (Figura 2).


Figura 2- Fatores de proteção contra a ocorrência de SIBO em condições normais e que podem ser suscetíveis de ruptura em situações de enfermidade.

As secreções, ácida gástrica, biliar e pancreática, inibem a proliferação bacteriana tanto a ingerida quanto aquela presente na orofaringe que deve migrar distalmente. O peristaltismo do intestino delgado impede a estase e o crescimento bacteriano. A mucosa intestinal inclui uma camada de muco e mecanismos antibacterianos intrínsecos, tais como, as defensinas e imunoglobulinas. Finalmente, a válvula ileocecal limita o movimento retrógrado das bactérias anaeróbicas colônicas.

Quando e como realizar o teste para SIBO?

A SIBO é uma síndrome clínica que pode estar associada a inúmeras enfermidades (fibrose cística, doença de Parkinson, escleroderma, diabetes e enfermidades do tecido conectivo) e, em transtornos da interação entre o cérebro e o trato-digestivo, tais como, a síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia funcional, alterações da motilidade intestinal após cirurgia e uso de opioides e corticosteroides. Os pacientes portadores de SIBO comumente relatam flatulência e o padrão ouro de referência para o diagnóstico seria a aspiração da secreção do intestino delgado com a respectiva cultura bacteriana. Entretanto, levando em consideração o custo, o caráter invasivo e as dificuldades técnicas para a obtenção destas amostras, está formalmente indicada a realização do Teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga de lactulose ou glicose para confirmar o diagnóstico de SIBO.

As principais indicações do Teste do Hidrogênio no ar expirado estão apontadas na Tabela 1 abaixo.



Teste de sobrecarga com Lactulose

A Lactulose é um dissacarídeo sintético composto por galactose-frutose, portanto não digerível e não absorvível, visto que o intestino humano não possui nenhuma dissacaridase capaz de hidrolisar este carboidrato, e, como consequência a Lactulose é sempre fermentada pela microbiota intestinal. Neste caso deve-se utilizar a dose de 20 gramas do carboidrato diluído em solução aquosa a 10%.

Normas para a realização do Teste do Hidrogênio no ar expirado com Lactulose

O teste deve sempre ser iniciado com a obtenção da amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado. Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 4 horas. Após a mensuração do valor basal de jejum, o qual deve ser, na imensa maioria dos casos, inferior a 5 partes por milhão (ppm), o teste respiratório pode começar. O teste com a Lactulose (a dose é fixa de 20 gramas diluídas a 10% em água) para pesquisa de SIBO deve ser realizado com a coleta de amostra do ar expirado a cada 15 minutos após a amostra de jejum durante a primeira hora do teste, e a cada 30 minutos até completar 2 horas.

Interpretação do Teste do Hidrogênio no ar expirado

A interpretação do resultado do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores fundamentais, a saber: 1- a concentração em ppm do Hidrogênio no ar expirado e/ou 2- o aparecimento de sintomas após a realização do teste de sobrecarga.

Caso ocorra a elevação da concentração do H2 acima de 10ppm sobre o nível de jejum, dentro dos 60 minutos iniciais do teste, indica a presença de SIBO. Essencialmente há 2 possibilidades para a ocorrência deste perfil particular do H2 no ar expirado, a saber:

1-    A curva mostra um perfil de 2 picos de elevação do H2 no ar expirado, ou seja, 1 deles nos primeiros 30 minutos do teste seguido de uma diminuição na concentração do H2, o qual é seguido por nova elevação após os 60 minutos. Este comportamento do teste indica que há um “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” associado à preservação da válvula ileocecal, e, também, que as bactérias presentes nas porções altas do intestino delgado foram capazes de metabolizar a Lactulose. O segundo pico demonstra que a maior porção da Lactulose foi fermentada no intestino grosso (Figura 3).



2-    A curva mostra um pico precoce, antes dos 60 minutos após a ingestão da Lactulose, o qual se mantém por pelo menos em 20 ppm acima do valor basal, sem apresentar queda no valor do H2 no ar expirado, até os 90 minutos. Esta curva apresenta um “quase” perfil de 2 picos, sem que ocorra o “vale” entre o primeiro e segundo picos (Figura 4).



Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção

Sabe-se que SIBO pode causar diarreia na ausência de outros aspectos clínicos de má digestão e/ou má absorção (esteatorreia, desnutrição, deficiências de vitaminas e nutrientes) desde a metade do século 20, com especial prevalência entre os indivíduos idosos.


Figura 5- Ação patológica da microbiota na SIBO sobre a gordura da dieta.


Figura 6- Ação patológica da microbiota na SIBO sobre os nutrientes da dieta.

Esta hipótese é plausível e se apoia em vários fatores. Em primeiro lugar, os fatores de risco para SIBO (hipocloridria, dismotilidade intestinal e resposta imunológica prejudicada) têm sido descritos neste grupo populacional.


Figura 7- Ação patológica da microbiota sobre a lactase na SIBO.

Em segundo lugar, inúmeros mecanismos podem ser levados em consideração para explicar a patogênese da diarreia devido à SIBO, e, a maior parte deles gira ao redor das interações microbiota-sais biliares, mesmo porque, efeitos diretos do microbioma alterado sobre o sistema neuromuscular entérico deve ser levado em consideração.


Figura 8- Ação patológica da microbiota sobre os sais biliares na SIBO.

Uma ruptura na fisiologia dos sais biliares tem sido considerada para explicar casos de diarreia sem causas conhecidas, bem como, na SII com diarreia. Embora a diarreia relacionada aos sais biliares tenha sido considerada decorrente de problemas da não reabsorção dos sais biliares pelo transportador ileal dos sais biliares, interações entre a microbiota e os sais biliares também têm sido levadas em consideração. Alterações na composição da microbiota fecal, que provavelmente refletem a microbiota colônica, têm sido descritas em associação com alterações da fisiologia dos sais biliares em pacientes com SII-diarreia, porém saber se tais alterações seriam primárias ou secundárias, necessita a realização de investigações mais detalhadas.

Uma das maiores alegações controvertidas relativas à SIBO tem sido sua relação com a Síndrome do Intestino Irritável (SII). Qual a possível relação entre SIBO e SII, embora seu nexo seja duvidoso? Tem sido demonstrado que pacientes portadores de SII, ao realizar o Teste do Hidrogênio no ar expirado após sobrecarga com Lactulose, estes testes revelaram-se positivos de forma mais prevalente do que em controles sadios. Além disso, comprovou-se a ocorrência da normalização dos testes e o desaparecimento dos sintomas após a realização de um ciclo terapêutico com antibioticoterapia. A eficácia da Rifaximina como atenuante dos sintomas na SII tem sido considerada uma evidência que dá suporte para esta associação SIBO e SII.

Alterações nos padrões motores do intestino delgado poderiam também fornecer alguma base para o conhecimento da interrelação SIBO e SII. Embora ainda pouco explorada, nos anos mais recentes, existem evidências que caracterizam uma dismotilidade intestinal na SII, porém essa hipótese ainda requer confirmação. Presume-se que a microbiota presente no intestino delgado em pacientes com SII poderia afetar o sistema neuromuscular entérico, e, por isso, ser a responsável pela dismotilidade, posto que a SIBO tem sido sugerida ocorrer em um subtipo de SII, a SII pós-gastroenterite.

SIBO tem ido proposta como responsável por impactar um outro fenômeno que poderia ser relevante para a SII, isto é, o envolvimento desde a barreira intestinal juntamente com o sistema imunológico associado ao intestino, e, pela via do eixo microbiota-intestino-cérebro, alcançar o sistema nervoso central, e, desta maneira, tornar-se um hospedeiro de tal cenário, simulando um “transtorno autoimune”.

Referências Bibliográficas

1-          Bushyhead D & Quigley E – Gastroenterology 2022;163:593-607

2-          Wurm P et cols. – JPGN 2023;77:31-38

3-          Moshirea B e cols. – Gastroenterology 2023;165:791-800

4-          Levine A e cols. – Gut 2018;67:1726-38

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Guia Clínico para a provocação com Glúten

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou o artigo intitulado “A Clinician’s Guide to Gluten Challenge”, de Sing A. e cols, em dezembro de 2023, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.


INTRODUÇÃO

A Doença Celíaca (DC) trata-se de uma enteropatia crônica imuno mediada derivada do glúten que pode se apresentar com sintomas gastrointestinais, manifestações extra intestinais ou total ausência de sintomas. O diagnóstico da DC envolve a avaliação dos sintomas, sorologia e histologia duodenal, cujas alterações se normalizam sob uma dieta isenta de glúten. Por essa razão a avaliação acurada requer que os pacientes estejam ingerindo suficiente quantidade de glúten quando testados. Frequentemente, os pacientes reduzem a ingestão de glúten para amenizar os sintomas, ou para testar uma presumível enfermidade.  Consequentemente, os médicos podem recomendar a provocação com glúten, o que envolve a reintrodução ou o aumento do glúten consumido para facilitar o teste diagnóstico. Embora os vários estudos tenham tentado identificar qual a quantidade de glúten que deve ser ingerida para assegurar a confiabilidade dos achados sorológicos e endoscópicos, um consenso ainda não foi alcançado. Neste trabalho, estão delineadas a indicações para a provocação com o glúten. 

MÉTODOS

A Tabela 1 aborda os contextos clínicos para a realização da provocação com glúten.



As avaliações durante a provocação com glúten, incluem sintomas, autoanticorpos e histopatologia. A avaliação basal inclui a estimativa da ingestão atual de glúten, o rastreamento das manifestações gastrointestinais e extra intestinais, e o estabelecimento de objetivos quanto ao consumo de glúten para a provocação. A genotipagem do antígeno leucocitário humano (HLA) (DQ2, DQ7 e DQ8) pode ser uma informação importante quanto à suscetibilidade para DC, embora não diagnóstica. Desta forma, o teste HLA pode identificar aquele que potencialmente será candidato à provocação com glúten, posto que há uma muito baixa ocorrência de DC com o teste HLA negativo. 

Sorologias basais antes da provocação podem ser de particular auxílio nos pacientes que não realizaram testes sorológicos prévios, pacientes que informam ingestões mínimas de glúten, ou pacientes que haviam iniciado uma dieta livre de glúten recentemente. Sorologias elevadas podem ser úteis, porém, sorologias normais em pacientes ingerindo pequenas quantidades ou em dieta de exclusão não podem ser utilizadas para a confiabilidade de exclusão da DC (Figura 1).



A dosagem do anticorpo anti-transglutaminase IgA com determinação total de IgA para excluir essa deficiência é recomendado.

INÍCIO DA PROVOCAÇÃO COM GLÚTEN

A provocação com glúten somente deve ser realizada após uma detalhada avaliação clínica, associada à discussão sobre os benefícios versus os riscos. As contraindicações incluem uma conhecida reação anafilática ao glúten, manifestações fisiológicas graves ou sintomas debilitantes. Historicamente, o consumo de 10g por dia durante 6 a 8 semanas tem sido recomendado. O conteúdo médio de glúten (aproximação de 0,5g) dos 7 alimentos incluídos na base de dados do NCC, estão especificados na Tabela 2.



MAXIMIZANDO A ACURÁCIA

Do ponto de vista clínico a provocação com glúten é um processo dinâmico, posto que a ingestão diária pelo paciente varia dia a dia. A monitoração clínica é de suma importância, posto que tanto a dose quanto a duração da provocação ao glúten, podem necessitar de ajustes baseados em sinas e sintomas. É sugerida uma ingestão mínima de 3 a 6g por dia durante 12 semanas para otimizar a acurácia diagnóstica na avaliação da DC. Caso o glúten esteja provocando sintomas leves ou nenhum sintoma deve-se aumentar a quantidade para 10g por dia para uma observação mais prolongada (Figura 1).

Há um consenso de que a despeito da dose e duração da provocação, elevações moderadas das sorologias ou dos sintomas, embora sejam de auxílio apresentam valores diagnósticos limitados. Recomenda-se, portanto, a realização de endoscopia digestiva com estudo histopatológico duodenal para evidenciar linfocitose intraepitelial, hiperplasia críptica e atrofia vilositária subtotal, achados que representam o mais apropriado ponto final da provocação com o glúten.  

MANEJO DOS SINTOMAS

A presença de sintomas é esperada durante o desafio com glúten. Estes podem incluir manifestações gastrointestinais (dor abdominal, diarreia, flatulência) e extra intestinais (fadiga, cefaleia). Estudos antigos sugeriram que a resposta sintomática se agrava com o decorrer do tempo e se mostrava mais frequente com uma ingestão mais elevada de glúten.

Os sintomas que se apresentam com a reintrodução do glúten têm baixa especificidade e não autoriza o diagnóstico da DC. Sorologia para DC deve ser coletada antes da avaliação endoscópica.

CONCLUSÕES

Trata-se de crucial importância não eliminar o glúten da dieta de um paciente antes que a certificação diagnóstica para DC esteja completa. Quando a provocação com glúten é necessária, sugere-se uma ingestão mínima de 4 a 6g de glúten por dia durante 12 semanas. Uma avaliação clínica formal deve ser realizada entre 4 e 6 semanas após o início da provocação com glúten, a qual é fundamental para permitir os ajustes nas doses e da provocação. Provocações de períodos curtos, de 6 a 12 semanas, podem ser necessárias nos pacientes sintomáticos, entretanto, doses mais elevadas de glúten por um tempo mais prolongado são necessárias naqueles pacientes que não apresentam sintomas ou que apresentam sintomas mínimos.

MEUS COMENTÁRIOS

Este artigo traz importantes contribuições sobre um tema que muitas vezes suscita inúmeras discussões e dúvidas, no que dizem respeito sobre a necessidade ou não de ser realizada a provocação com glúten, após o diagnóstico da DC. Caso o Gastropediatra em conjunto com a família do paciente sinta a necessidade de ser realizado um teste de provocação com glúten, esta deve ser realizada seguindo normas bem definidas, para que se obtenham resultados confiáveis. Para que a provocação seja exitosa devem ser seguidas algumas diretrizes expostas neste artigo, a saber: dose a ser ingerida e o tempo que deve decorrer a exposição ao glúten. A avaliação clínica é de importância fundamental antes de ser solicitada nova sorologia e mesmo de ser considerada a necessidade da realização de uma nova biópsia duodenal. Todos estes fatores encontram-se na dependência do surgimento ou não de sintomas gastrointestinais e/ou extra intestinais.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-   Singh A e cols – JPGN 2023;77:698-702

2-   Husby S e cols – Gastroenterology 2019;156:885-9

3-   Leonar MM e cols – Gastroenterology 2021;160:720-733

4-   Husby S e cols – JPGN 2020;70:141-56

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Uma abordagem multidisciplinar em lactentes com sintomas similares à Doença do Refluxo Gastroesofágico: um novo paradigma.

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

 

A renomada revista JPGN publicou o artigo intitulado “A multidisciplinary approach to infants with GERD-Like symptoms: a new paradigm ”, de Fishbein MH e cols, em julho de 2023, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

 

INTRODUÇÃO

O Refluxo Gastresofágico (RGE) é considerado patológico e passa a ser denominado Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) quando o refluxo provoca sintomas desconfortáveis e/ou complicações. Entretanto, considerando os lactentes essas definições tornam-se particularmente difíceis de serem discernidas. Os sintomas gerais de RGE podem incluir irritabilidade e choro excessivo, arqueamento do corpo para traz e regurgitação, todos eles podem estar sobrepostos em lactentes sadios. A diferenciação clínica entre DRGE e RGE pode também ser desafiadora, particularmente quando é desejada a interpretação “desconfortável” em um lactente que não apresenta comunicação verbal. Sinais e sintomas não específicos em lactentes com DRGE podem incluir desconforto, irritabilidade, parada do crescimento, recusa alimentar, postura distônica do pescoço (Síndrome de Sandifer), hematêmese, sibilâncias, estridor, tosse, rouquidão, disfagia/odinofagia, crises de apneia, asma, pneumonia recorrente associada à aspiração, e otite média recorrente. Uma revisão sistemática global recente relatou que de 10 a 25% dos lactentes demonstram sintomas de DRGE a 1 mês de idade e que decresce para 3% aos 6 meses e para 1,6% aos 12 meses. Embora a tendência para a diminuição da sintomatologia da DRGE tenha sido descrita em mais de um estudo, devido ao número de variáveis possíveis e a sobreposição de sintomas, a real prevalência a DRGE permanece discutível. Além disso, não há um algoritmo estabelecido para confirmar a DRGE em lactentes, no presente momento, pela inexistência de um teste diagnóstico suficientemente refinado para ser considerado um indicador confiável para a população de lactentes. Isto posto, para o propósito deste trabalho será utilizado o termo DRGE-LIKE para representar coletivamente lactentes que apresentam a suspeita de DRGE ou RGE.

Regurgitação, fracasso do crescimento, problemas na alimentação, dificuldades do sono, choro e irritabilidade, são todas marcas comuns de comportamento dos lactentes que em última análise são diagnosticados com DRGE. Entretanto, outras condições subjacentes tais como respostas alérgicas ao leite de vaca e outros transtornos funcionais gastrointestinais podem também apresentar de forma similar sintomatologia de sobreposição. O papel do Gastropediatra torna-se fundamental para completar a investigação diagnóstica, no sentido de determinar a fisiopatologia de base. Entretanto, em virtude de que muitos desses lactentes não estejam apresentando um desenvolvimento adequado, outros profissionais tais como, Patologistas da linguagem e fala e Terapeutas ocupacionais, podem oferecer valorosas contribuições quanto à deglutição, alimentação e/ou outras dificuldades, oferecendo atividades calmantes, que podem estar ocorrendo concomitantemente nesta população. Nesta investigação preliminar será detalhado o papel destes profissionais acima referidos em uma abordagem multidisciplinar para identificar disfagia e/ou manifestações de inquietação em uma população de lactentes com sintomas similares à DRGE.

MÉTODOS

Foram incluídos 174 lactentes nascidos de termo, menores de 6 meses de idade, em um estudo retrospectivo os quais foram referidos para a clínica de Gastropediatra com sintomas de similares à DRGE.

Medidas de avaliação dos Patologistas de linguagem

Os lactentes que apresentavam suspeita de disfagia, foram submetidos a um exame de mecanismo oral, para descartar diferenças estruturais e avaliar para a existência de reflexos apropriados, como descrito na Tabela 1.



Medidas de Terapia Ocupacional

Os lactentes que apresentação inquietação/cólicas, foram referidos para uma posterior avaliação de Terapia Ocupacional (TO), cujos comportamentos estão detalhados na Tabela 2.



RESULTADOS

Durante a primeira consulta os lactentes foram triados por um Gastropediatra de acordo com a sintomatologia apresentada, a saber:

1)   Grupo do refluxo não-complicado (N=65).

2)   Grupo dos sintomas de DRGE. (N=109).

Todos os lactentes do grupo 1, foram classificadas como “cuspidores felizes”. Apresentavam crescimento normal e não demonstraram sintomas similares à DRGE. Para cada familiar do lactente foi fornecida (educação ao paciente) no que diz respeito ao refluxo não complicado, incluindo a história natural, precauções quanto ao refluxo, e reafirmação emocional. Os pacientes pertencentes ao 2 Grupo, foram encaminhados aos profissionais específicos de Linguagem e/ou TO, dependendo dos seus respectivos sintomas, tais como: suspeita de disfagia, inquietação ou cólica (Figuras 1 e 2). 




DISCUSSÃO

Os sintomas de doenças similares ao refluxo, são comuns entre os lactentes e cuja prevalência pode variar entre 23,21% e 40%. Aerofagia, devido a deglutição excessiva de ar é geralmente suspeitada clinicamente nos lactentes que apresentam aspectos característicos, tais como, ruido alto na sucção associado com as alimentações. O esforço para caracterizar a aerofagia envolve a análise da eficiência da deglutição. Nos lactentes, esta situação depende da posição assumida no momento da mamada e o ritmo do fluxo através do tamanho da configuração da mamadeira e do bico da mesma.

Os autores forneceram um algoritmo para uma abordagem multidisciplinar para o lactente com sintomas similares a DRGE que está apresentado na Figura 3.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1)   Fishbein MH e cols. JPGN 2023;77:39-46

2)   Rosen R e cols. JPGN 2018;66:516-554

3)    Singendonk M e cols. JPGN 2019;68:811-7

4)   Salvatore S e cols. Nutrients 2021;13:297


terça-feira, 21 de novembro de 2023

A caracterização da Esofagite Eosinofílica em lactentes e pré-escolares

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou o artigo intitulado Characterization of Eosinophilic Esophagitis in Infants and Toddlers”, de Suzanna Hirsch e cols, em julho de 2023, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

 

INTRODUÇÃO

A Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade crônica imune-mediada caracterizada por eosinofilia esofágica e sintomas de disfunção esofágica. As manifestações clínicas da EEo são bastante variadas e são diferentes entre as crianças maiores e os adultos. As clássicas apresentações da EEo nos adultos e nas crianças maiores incluem disfagia ou impactação alimentar, enquanto nas crianças de menor idade podem se apresentar com dor abdominal, vômitos ou dificuldades na alimentação. Além disso, os pacientes menores podem apresentar sintomas extra intestinais, tais como: tosse, sibilos, ou ronquidão, embora a relação causal entre EEo e doença respiratória permaneça incerta. Há uma crescente produção de pesquisas relacionadas à EEo nas crianças, entretanto os estudos existentes incluem poucos lactentes e pré-escolares com idades menores de 2 anos, e poucos estudos têm investigado especificamente as manifestações clínicas e o tratamento da EEo neste grupo pediátrico.

Os objetivos do presente estudo foram os seguintes, a saber:

1)   Caracterizar as apresentações gastrointestinais e respiratórias da EEo nas crianças menores de 2 anos de idade e,

2)   Avaliar a resposta clínica e histológica no tratamento dessas crianças.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma análise retrospectiva nas crianças menores de 2 anos de idade diagnosticadas como portadoras de EEo. A EEo foi definida pela presença de ≥ 15 eosinófilos por campo de grande aumento em pelo menos 1 biópsia esofágica. Os dados dos pacientes foram revisados levando-se em consideração os seguintes dados: idade, sexo, sintomas presentes, comorbidades, emprego passado e presente de supressão ácida, histórico dietético e restrições, e estudo vídeo fluoroscópico para a deglutição e avaliação de aspiração. Os achados endoscópicos mais salientes tais como: edema, exsudatos, sulcos, anéis, estenose e erosões ou úlceras foram pesquisados. Os achados histológicos foram analisados incluindo a contagem de eosinófilos em todos os níveis esofágicos.

DESFECHOS

Os arquivos dos pacientes foram revisados levando-se em consideração as endoscopias de seguimento, os resultados foram anotados e os pacientes foram classificados como segue:

1)   Remição da EEo, contagem de eosinófilos <15 ou

2)   Persistência da EEo, pico >15.

Os tratamentos da EEo em cada momento das endoscopias foram anotados e estes incluíam o uso de inibidor de bomba de próton (IBP), esteroides ingeridos e restrições dietéticas. A maioria dos pacientes recebeu uma combinação de tratamentos.

Considerando-se os tratamentos recebidos, no momento de cada endoscopia, os pacientes foram considerados como Respondedores ou Não Respondedores a cada combinação dos tratamentos. Respondedores (definido como pico de eosinófilos <15) foram os pacientes que alcançaram remição histológica e Não Respondedores (definido como pico de eosinófilos >15) foram os pacientes que mantiveram mais de 15 eosinófilos por campo de grande aumento.

RESULTADOS

Características dos pacientes

Foram identificadas 42 crianças menores de 2 anos de idade no momento do diagnóstico da EEo, cujas características clínicas estão demonstradas na Tabela 1.

  Tabela 1- Características demográficas dos pacientes ao ingressar no estudo

A idade média dos pacientes foi de 1,3±0,4 anos, e o mais jovem tinha 5 meses. O sintoma mais frequentemente apresentado foi dificuldade na alimentação (67%), a qual foi caracterizada por engasgo ou tosse durante a alimentação (60%) ou dificuldade na progressão dos alimentos sólidos (43%). Nenhum paciente apresentou relato de impactação alimentar.

Índice Endoscópico  

O índice endoscópico mostrou-se anormal em 30 pacientes (71%) e normal em 12 pacientes (29%). As anormalidades incluíram edema da mucosa (20/42 – 48%), sulcos (20/42 – 48%), exsudatos (17/42 – 41%) e erosões (1/42 – 1%). Não foram identificados anéis ou estenoses. Do ponto de vista histológico o pico médio de eosinófilos foi de 50pcga com a variação de 30 a 100pcga (Figura 1).

Figura 1- Alterações nas contagens dos eosinófilos no momento inicial e na primeira biópsia de seguimento.

Resposta Sintomática

Todos os pacientes apresentaram melhoria clínica em pelo menos 1 sintoma no primeiro seguimento. Houve uma significante redução de todos os sintomas durante o seguimento em comparação com os dados iniciais (Figura 2).

Figura 2- Porcentagem de pacientes com sintomas pré e pós-tratamento.

Seguimento longitudinal 

O número de respondedores e não respondedores para cada tratamento ou combinação de tratamentos e endoscopias de seguimento estão demonstrados na Figura 3.

Figura 3- Proporção de pacientes que alcançou remissão histológica após o tratamento.

 

Houve um significativo efeito positivo no tipo de tratamento em relação à resposta histológica e as melhores respostas observadas foram as combinações dieta/esteroides ou dieta/inibidor de bomba de próton e a pior resposta observada foi o uso isolado com inibidor de bomba de próton.

CONCLUSÕES  

Em resumo, este estudo demonstra que lactentes e pré-escolares portadores de EEo são mais frequentemente do sexo masculino, com forte história pessoal e familiar de atopia, e frequentemente apresentam dificuldades alimentares, vômitos ou sintomas respiratórios. EEo neste grupo etário pode mimetizar outros diagnósticos gastrointestinais frequentes, tais como refluxo, alergia à proteína do leite ou aspiração. Enquanto a maioria dos pacientes demonstrou melhoria clínica com os tratamentos padrões, utilizando-se uma combinação de dieta/esteroide ou dieta/IBP, sendo estes os mais efetivos, a lesão endoscópica é considerável e as respostas histológicas não podem ser mantidas a longo prazo. Futuras pesquisas prospectivas serão de grande utilidade para avaliar os desfechos terapêuticos e o curso da enfermidade neste grupo etário de crianças mais jovens.

MEUS COMENTÁRIOS

Este é um dos primeiros estudos que definem os aspectos clínicos e endoscópicos da EEo em lactentes e pré-escolares, e, ao mesmo tempo, avalia a resposta ao tratamento neste grupo etário de pacientes. Considerando que os sintomas são inespecíficos neste grupo etário, é importante compreender suas mais frequentes manifestações clínicas, e manter um alto índice de suspeição para a EEo quando estes sintomas estão presentes. Diferentemente dos pacientes maiores, nos quais as apresentações clássicas incluem disfagia e impactação dos alimentos, os mais frequentes sintomas nestes pacientes mais jovens são dificuldades na alimentação, vômitos, tosse e sibilos. Vale ressaltar que estes pacientes geralmente não têm agravo do seu estado nutricional, na grande maioria dos casos.

Outro aspecto que chamou a atenção neste estudo é que a avaliação endoscópica se revelou aparentemente normal em 29% dos pacientes, o que salienta a necessidade de incluir na rotina a análise histológica.

Os tratamentos dietéticos costumam variar intensamente, tanto quanto as alterações das fórmulas e quanto as restrições de alimentos sólidos. No presente estudo 40% dos pacientes foram tratados apenas com restrição dietética, enquanto 71% deles que foi tratado com uma combinação de restrição dietética e IBP ou esteroides apresentou remissão histológica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1)   Suzanna Hirsch e cols. JPGN 2023; 77:86-92.

2)   Lyles JL e cols. J Allergy Clin Immunol 2021;147:244-54.

3)   KeLes MN e cols. Dysphagia 2023;38:474-82.

4)   Witmer CP e cols. JPGN 2018;67:610-5.