segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Alergia às Proteínas do Leite de Vaca: a Pouca Utilidade da Realização dos Testes Cutâneos de Hipersensibilidade para sua Confirmação Diagnóstica (2)

Resultados

Dentre as 122 crianças que se submeteram ao teste de provocação oral a existência de alergia alimentar foi confirmada em 50 (40,9%) delas. Os alimentos envolvidos foram os seguintes, a saber: proteína do leite de vaca em 44 (88%) casos, albumina do ovo 3 (6%), trigo em 2 (4%), amendoim em 1 (2%).

As crianças participantes do estudo apresentavam idade que variaram de 1 a 5 anos, e a mediana foi 2 anos de idade. Um percentual menor de crianças com alergia alimentar tinha antecedentes familiares de resultados positivos para atopia em comparação com o grupo que não apresentou alergia alimentar. Os sintomas mais frequentemente encontrados entre as crianças estavam relacionados com o trato gastrointestinal, conforme pode ser observado na Tabela 1.



Considerando-se as crianças que apresentaram reações tardias, 7/22 (31,8%), revelaram PRICK TEST positivo. A reação tardia mais frequente revelada foi diarreia. As sensibilidades dos testes cutâneos e dos ensaios dos IgE específicos demostraram ser baixas, da mesma forma que os valores preditivos positivos e negativos, conforme estão demonstrados na Tabela 2.
Devido à sua elevada frequência, a acurácia diagnóstica dos testes somente foi avaliada para a alergia à proteína ao leite de vaca; 22/44 (50%) pacientes apresentaram sintomas dentro das primeiras 4 horas após o teste de provocação oral, a manifestação mais precoce e também a mais frequente foi urticária. Reações graves foram desencadeadas somente em duas crianças que apresentaram catarro nasal, crise de tosse e dispnéia.

Vale ressaltar que 8/15 (53%) pacientes revelaram reação positiva ao PRICK TEST, e o mesmo aconteceu com 4/15% (26,7%) pacientes para a reação com IgE especifica. Somente 3/10 (30%) pacientes que apresentaram PATCH TEST positivo, revelaram reações tardias ao teste de provocação oral. Os dados mostram que 7/22 (31,8%) crianças que apresentaram reação imediata, revelaram concordância com o PRICK TEST positivo e 4/22 (18,2%) com IgE específica.

Discussão

Dentre as crianças com a suspeita diagnóstica e que se submeteram ao teste de provocação oral, o diagnóstico foi confirmado em 50 casos (40,9%). Este fato evidencia que, mesmo tendo apresentado uma história clínica sugestiva, faz-se necessária uma investigação mais profunda, posto que a alergia alimentar foi confirmada em menos da metade dos casos suspeitados. A maioria dessas crianças era do sexo masculino e a mediana de idade 2 anos. Esta é a faixa etária de maior ocorrência de alergia alimentar e isto de deve à imaturidade do trato gastrointestinal associada a uma exposição precoce às proteínas que não fazem parte do leite humano.

O principal alergeno mostrou-se ser a proteína do leite de vaca, a qual foi responsável em 88% dos casos. A proteína do leite de vaca tem sido descrita como principal causa de alergia alimentar nesta faixa etária por inúmeros investigadores em várias regiões geográficas aonde estudos similares a este tem sido realizados.

No presente estudo a frequência dos sintomas gastrointestinais mostrou-se ser similar entre as crianças com diagnostico confirmado de alergia à proteína ao leite de vaca e entre aquelas cujo resultado do teste de provocação oral foi negativo. Este fato enfatiza a importância de que neste grupo etário seja estabelecido um diagnostico diferencial em relação a outras entidades clinicas tais como, diarreia persistente, síndrome do intestino irritável com manifestação diarreica, regurgitação e doença do refluxo gastroesofágico.

Com relação ao teste de provocação oral, observamos que a maioria das crianças apresentaram sintomas algumas horas depois da exposição ao alimento suspeitado. Este fato sugeriu que o mecanismo fisiopatológico envolvido nestes casos não foi predominantemente determinado pela IgE. Em uma revisão focalizando alergia alimentar e sintomas gastrointestinais, Dupont (2001) enfatizou que os mecanismos não mediados por IgE são os mais frequentementes encontrados. Desta forma, há a necessidade de uma monitoração clínica destas crianças que deve durar dias ou mesmo semanas após a reintrodução dos alimentos, para que se possa diagnosticar reações tardias.

A maioria dos testes diagnósticos utilizados nas investigações das alergias alimentares (testes cutâneos e ensaios de IgE específicos), identifica reações IgE mediadas. Estes testes resultam menos frequentementes positivos entre as crianças com sintomas predominantemente gastrointestinais, porém são mais fáceis de diagnosticar posto que elas ocorrem em um período não superior a 4 horas após a exposição à proteína desencadeadora da alergia. Isto explica as baixas sensibilidades dos testes cutâneos e dos ensaios IgE específicos que foram observados neste estudo posto que as crianças apresentaram sintomas gastrointestinais, para os quais o mecanismo fisiopatológico envolvido mostrou-se ser predominantemente não mediado por IgE. O valor preditivo positivo também foi baixo e refletiu o fato de que o rastreamento baseado na história clínica, mesmo quando esta é realizada com profundo detalhe, não foi capaz de excluir as crianças com outras enfermidades que compartilham os mesmos sintomas, como foi acima enfatizado.

Faz-se necessário evitar as situações as quais estes testes continuam a ser requisitados para crianças com manifestações clínicas similares a este estudo. Estas crianças, quando baseadas em diagnósticos incorretos, são submetidas a dietas restritivas as quais resultam em efeitos deletérios sobre seu estado nutricional e ao ritmo de crescimento.

Em conclusão, a despeito das dificuldades operacionais e dos riscos aos quais as crianças estão expostas, em virtude da ausência de testes específicos de alta acurácia, o teste de provocação oral utilizando o alimento suspeito é ainda considerado como o melhor método diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca entre as crianças de baixa idade com sintomas predominantemente gastrointestinais. Estas crianças devem ser acompanhadas por um período de pelo menos 30 dias após a realização do teste, com visitas de retorno periodicamente agendadas para avaliação clínica e observação de possíveis reações tardias.

Meus Comentários
 
Alergia alimentar é uma reação adversa aos alimentos mediada por mecanismos imunológicos, IgE mediados ou não. Colite Alérgica, a manifestação clínica gastrointestinal que tem sido mais frequentemente descrita, é um tipo de alergia que pertence ao grupo de hipersensibilidade alimentar não mediada por IgE também denominada protocolite induzida por alimentos. O mecanismo fisiopatológico ainda não totalmente identificado, porém, sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica. Além disso, a presença de células de memória circulantes reveladas por testes positivos de transformação linfocítica sugerem o envolvimento de células T na patogênese desta entidade, associada à secreção de fator de necrose tumoral α pelos linfócitos ativados. A manifestação clínica mais florida e frequente é a ocorrência de cólicas, de intensidade variável, associada a sangramento retal misturado às fezes, sob a forma de diarréia sanguinolenta, e eliminação de quantidade significativa de muco. Por outro lado, em algumas ocasiões o sangramento retal pode não ser macroscopicamente visível. Usualmente, as lesões são circunscritas ao colon distal e a colonoscopia revela mucosa hiperemiada com a presença de múltiplas pequenas ulcerações com grande fragilidade vascular e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio. A análise histológica evidencia, na imensa maioria dos casos, uma infiltração eosinofílica, com mais de 20 esosinófilos por campo de grande aumento, a qual pode afetar todas as camadas da mucosa colônica, inclusive, o epitélio superficial, podendo também haver a presença de abscessos crípticos e hiperplasia nodular linfóide. Trata-se de uma enfermidade eminentemente do primeiro ano de vida, mais frequentemente afetando lactentes no primeiro semestre, sem provocar maiores repercussões sobre o estado nutricional. As manifestações clínicas regridem, na grande maioria dos casos, com a introdução de fórmula à base de hidrolisado protéico, extensivamente hidrolisado, após até cerca de 72 horas de sua introdução. Vale a pena enfatizar que o diagnóstico desta enfermidade não pode ser confirmado ou afastado por testes de hipersensibilidade imediata (IgE dependentes) ou pelos testes cutâneos.

Conforme se pode depreender da leitura deste excelente artigo, e de inúmeras outras investigações disponíveis na literatura médica, realizadas nos mais variados centros de pesquisa do globo terrestre, fica bem demonstrado que não resulta ser útil solicitar os testes de avaliação de hipersensibilidade imediata quando estamos diante da suspeita diagnóstica de alergia alimentar nos primeiros anos de vida. O teste de provocação oral continua, portanto, a ser até o presente momento a melhor escolha para se confirmar ou descartar o diagnóstico de alergia alimentara uma determinada proteína da dieta.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Alergia às Proteínas do Leite de Vaca: a Pouca Utilidade da Realização dos Testes Cutâneos de Hipersensibilidade para sua Confirmação Diagnóstica (1)

A Alergia alimentar, em especial às proteínas do leite de vaca, continua a ser um tema extremamente candente, pois sua incidência tem aumentado progressivamente ao longo das ultimas décadas, e, por outro lado, sua caracterização diagnóstica definitiva ainda traz inúmeras controvérsias. Está bem estabelecido que no primeiro ano de vida a grande maioria dos casos de alergia alimentar não é mediada exclusivamente pela reação de hipersensibilidade imediata, ou seja, IgE mediada, e sim por um mecanismo imunológico mediado por células, ou misto. Por esta razão, a utilização dos testes cutâneos para a caracterização diagnóstica torna-se absolutamente ineficiente na maioria das vezes, posto que apesar de eles apresentarem razoável elevada especificidade, revelam, porém, baixa sensibilidade para caracterizar as reações alérgicas de hipersensibilidade imediata, ou seja, IgE mediadas. Entretanto, com elevada frequência, a meu ver de forma equivocada, tem sido proposta a utilização dos testes de hipersensibilidade cutânea para a tentativa de caracterização diagnóstica a um determinado alergeno, em particular às proteínas do leite de vaca, no primeiro ano de idade, quando se sabe que este mecanismo de reação imunológica é pouco provável de ser o causador das manifestações clínicas de alergia alimentar. Para comprovar minha assertiva, desde longo tempo por mim defendida, o grupo brasileiro liderado por Aldo Costa e colaboradores, dentre eles uma iminente Gastroenterologista Pediátrica (Gisélia Alves Pontes da Silva), da Universidade Federal de Pernambuco, publicaram um importante artigo original em Abril de 2011, na revista Pediatric Allergy and Immunology (22:133-38) sob o título “Allergy to cow’s milk proteins: what contributions does hipersensitivity in skin tests have to this diagnosis?”, no qual utilizaram análise estatística apropriada para demonstrar a falta de acurácia e o baixo valor preditivo, positivo e negativo, para a caracterização diagnóstica de alergia `a proteína do leite de vaca, por meio dos testes de hipersensibilidade cutânea. A seguir, transcrevo os principais tópicos deste excelente artigo de investigação clínica.

Introdução
Alergia alimentar trata-se de uma reação adversa imunologicamente mediada a uma, ou mais, determinada proteína da dieta e que afeta cerca de 6% de todas as crianças menores de 5 anos de idade. As crianças que apresentam sintomas de intolerância alimentar frequentemente recebem o diagnóstico de alergia, mesmo quando o mecanismo deflagrador não é imunológico. Esse fato contribui de forma significativa para a introdução de dietas restritivas e inadequadas, as quais trazem repercussão negativa sobre o crescimento e o desenvolvimento das crianças.

As reações das alergias alimentares são classificadas como IgE mediadas, mediadas por linfócitos ou mistas. Nos casos das reações IgE mediadas, a resposta clinica à ingestão de um determinado alergeno é rápida e, desta forma, torna-se fácil estabelecer uma associação causa-efeito. O teste cutâneo PRICK, que é um ensaio laboratorial IgE específico, é um método complementar usado para investigar estas condições. Este método apresenta limitações técnicas que devem ser levadas em conta quando da interpretação dos resultados. É importante diferenciar hipersensibilidade a um determinado alimento de intolerância clínica, dado que um teste positivo não significa necessariamente a existência de alergia alimentar.

Quando a alergia alimentar é deflagrada pelas proteínas do leite de vaca predominam os sintomas gastrointestinais, porém estes podem surgir dias ou semanas após a exposição ao antígeno o que, portanto, torna difícil estabelecer uma associação causal. O teste atópico PATCH tem sido mencionado como uma alternativa para refinar o diagnósticos das alergias alimentares que não são mediadas por IgE. Os resultados destes testes têm sido promissores entres as crianças cuja manifestação clínica é de dermatite atópica, mas, por outro lado, têm sido de pouca ajuda naqueles casos em que as manifestações clínicas são predominantemente gastrointestinais.

O padrão ouro para o diagnóstico de alergia alimentar é o teste de provocação oral duplo cego e placebo controlado. Entretanto, devido às dificuldades em se aplicar este teste na prática clínica, os testes simples cego ou de provocação oral aberta têm sido os mais utilizados, especialmente dentre as crianças menores de 3 anos de idade, o que vale a pena enfatizar, trata-se da faixa etária de maior frequência de alergia à proteína do leite de vaca.

O uso excessivo de testes cutâneos e ensaios IgE específicos, sem um critério adequado, provocam um manejo terapêutico inadequado. O presente estudo teve por objetivo analisar a acurácia destes testes complementares de investigação de alergia alimentar entre as crianças com manifestações clínicas predominantemente gastrointestinais.

Casuística e Métodos
Foram estudadas 192 crianças com idades que variaram de 1 a 5 anos, as quais foram encaminhadas para a Clínica de Alergia e Imunologia do Serviço de Pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco entre maio de 2006 e dezembro de 2007, com a hipótese diagnóstica de alergia alimentar. Deste grupo de crianças, 122 foram submetidas a um teste de provocação oral para o alimento suspeito e as outras 70 foram excluídas do estudo.

As crianças que apresentaram uma resposta positiva ao teste de provocação oral foram incluídas no estudo como CASOS, enquanto que as crianças que apresentaram uma resposta negativa constituíram o grupo CONTROLE. Um estudo de acurácia diagnóstica foi realizado, no qual a sensibilidade, especificidade e os valores preditivos positivos e negativos dos teste cutâneos e IgE especificos foram avaliados em relação ao padrão ouro (resposta positiva ao teste de provocação oral).

A caracterização dos participantes do estudo levou em consideração as seguintes variáveis analisadas: sexo, idade, referencia de rinite e asma nos pais, manifestações clínicas que levaram à investigação das alergias alimentares (queixas gastrointestinais, respiratórias e cutâneas) e a frequência do emprego das proteínas na dieta. Associações entre essas variáveis e os resultados positivos dos testes de provocação oral foram investigadas. No momento da inclusão no estudo o adulto responsável por cada criança respondeu algumas questões e o objetivo do estudo foi explicado. Todas as crianças foram submetidas aos seguintes testes: teste cutâneo PRICK, ensaios IgE específicos, e teste cutâneo PATCH para leite de vaca, ovos, trigo e amendoim. Elas também foram submetidas ao teste de provocação oral aos alimentos aos quais elas fossem sensíveis ou que apresentassem suspeita de sensibilidade.

Teste Cutâneo PRICK
Foram utilizados extratos padronizados alfa-lactoalbumina, beta-lactoglobulina, caseína, clara do ovo, gema do ovo, trigo e amendoim para a realização do teste cutâneo PRICK. Os testes foram considerados positivos quando as pápulas apresentaram um diâmetro > ou = a 3mm após 20 minutos de observação, em relação ao controle negativo.

Teste de Atopia PATCH
Este teste foi realizado utilizando extratos não padronizados. Leite em pó contendo 3,5% de gordura, albumina do ovo in natura, gema do ovo in natura, extrato do trigo e extrato de amendoim foram utilizados. Todos os extratos continham 4g de proteína. Vaselina pura foi testada como um controle negativo e foi também usada como veículo para os alimentos testados. Os extratos foram colocados em contato com a região dorsal do tórax utilizando papel filtro de 1cm² de área aderido por uma fita adesiva hipoalergênica. A primeira leitura foi realizada após 72 horas da adesão e 20 minutos após a remoção da fita hipoalergênica contendo o papel filtro. Uma segunda leitura foi realizada após 48 horas após a primeira leitura. Os testes foram considerados positivos se eles apresentassem no mínimo uma reação de hiperemia associada com edema palpável no local onde o extrato havia sido aplicado.

Ensaios com IgE específica
Esses ensaios foram realizados para alfa-lactoalbomina, beta-lactolobolina e caseina.

Teste de Provocação Oral
As consultas de retorno para controle ocorreram depois de 7, 15 e 30 dias após a realização dos testes de investigação clínica. Os seguintes sinais e sintomas relatados pelos adultos acompanhantes destas crianças foram investigados nesta ocasião: vômitos, diarréia, constipação, dor abdominal, alterações cutâneas e manifestações respiratórias.

Os seguintes alimentos foram testados: leite de vaca, gema de ovo in natura, gema de ovo cozida, clara de ovo, amendoim e trigo. Esses alimentos foram preparados de tal forma a fornecer 4g de proteína para 100 ml do volume do alimento a ser testado.

Aspectos éticos e Análise estatística
O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, e um acompanhamento clínico apropriado foi oferecido a todas as crianças cujo diagnóstico foram confirmados.

A análise estatística foi realizada utilizando o software Epi-Info versão 6.04. As associações entre os sintomas clínicos apresentados e a existência de qualquer alergia alimentar foram investigadas, quando da realização do teste de provocação oral ao alimento em questão tomado como padrão ouro.

No nosso próximo encontro darei sequência à transcrição deste importante estudo sobre alergia alimentar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Constipação Funcional: diagnóstico e tratamento (3)

1- Terapia Comportamental
A terapia comportamental sempre deve vir acompanhada do uso de laxantes por via oral, cujo objetivo é o de reduzir o nível de estresse e, além disso, desenvolver ou restaurar os hábitos intestinais normais por meio de um reforço positivo. Recentemente (van Dijk – Pediatrics, 121: e1334-41, 2008), um ensaio clínico randomizado realizado por um Psicólogo Pediátrico (utilizando o processo de aprendizagem para reduzir as reações fóbicas relacionadas com a evacuação, o qual consiste de 5 passos sequenciais, a saber: conhecer – cuidar – poder – desejar – fazer), comparou a terapia comportamental com o tratamento convencional realizado por um Gastroenterologista Pediátrico (educação – diário – treinamento esfincteriano com sistema de premiação), durante 22 semanas e que incluíram 12 visitas. Ambos os grupos foram tratados com o uso de laxantes similares. Embora tenha sido encontrado um aumento estatisticamente significante na frequência das evacuações, bem como uma redução dos escapes fecais em ambos os grupos, não houve porém diferenças significativas na frequência das evacuações e nem tão pouco no número de episódios de escape fecal ao cabo das 22 semanas e 6 meses depois, entre os dois grupos estudados. Além disso, não houve diferenças significativas nas taxas de sucesso entre ambos os grupos. Após 6 meses, o percentual de crianças com problemas comportamentais mostrou-se significantemente mais baixo no grupo que recebeu terapia comportamental comparado com o grupo tratado convencionalmente (11,7% vs 29,2%). O manual de conduta holandês, o qual se baseou parcialmente neste estudo, recomenda a indicação de tratamento com psicólogos somente naquelas crianças que apresentam graves problemas emocionais. Além disso, a terapia comportamental pode ser de grande valia naquelas crianças cuja terapia com laxantes tenha fracassado.

2- Tratamentos Não Farmacológicos
O tratamento da constipação é de longa duração e as recidivas são frequentes. Portanto, não é surpreendente que os pais das crianças com transtornos funcionais da defecação venham a procurar auxilio de outros profissionais da saúde. O tratamento não farmacológico inclui uma intervenção multidisciplinar, o emprego de pré e pró-bióticos, e medicamentos alternativos (acupuntura, homeopatia, terapia mente e corpo, manipulações músculo-esqueléticas, tais como manipulações osteopráticas e quiropráticas, e terapias espirituais como a Yoga). Vlieger e cols. (Pediatrics, 122:e446-51, 2008), demonstraram que 36,4% das crianças com constipação funcional usaram alguma forma de medicina complementar, tais como acupuntura e homeopatia. Entretanto, não existe na literatura ensaios clínicos controlados e randomizados que avaliem a eficácia de tratamentos multidisciplinares ou qualquer tratamento com medicações alternativas, os quais, portanto, não devem ser recomendados.

Algumas hipóteses têm sido postuladas do por que os pró-bióticos possam vir a ter um potencial terapêutico para o tratamento da constipação. Neste sentido tem sido sugerida a existência de uma disbiose na flora intestinal em pacientes com constipação, a qual pode ser regulada depois da ingestão de pró-bióticos. Entretanto, não esta claramente definida se a disbiose é uma manifestação secundária da constipação ou um mero fator contribuinte para a constipação. Por outro lado, os pró-bióticos podem diminuir o pH do intestino grosso, aumentando a peristalse, o que subsequentemente diminui o tempo do trânsito colônico. Uma revisão sistemática incluindo dois ensaios clínicos controlados e randomizados avaliaram os efeitos dos pró-bióticos. Um estudo demonstrou aumento da frequência das evacuações e uma diminuição na frequência da dor abdominal quando se utilizou o pró-biótico Lactobacillus casei rhamnosus em comparação com um placebo. O outro ensaio mostrou que o pró-biótico Lactobacillus casei GG não se revelou eficaz como tratamento coadjuvante da Lactulose. Ambos os ensaios não descreveram quaisquer eventos adversos nos grupos que receberam os pró-bióticos.

Pré-bióticos são carboidratos de cadeia curta que alteram a composição ou o metabolismo da microbiota intestinal de uma maneira benéfica. É esperado, portanto, que os pré-bióticos venham a melhorar o estado de saúde de um modo similar ao induzido pelos pró-bióticos, enquanto que, ao mesmo tempo, são mais baratos, oferecem menores riscos de complicação e são mais facilmente incorporáveis à dieta que os pró-bióticos. Em relação aos pré-bióticos conseguimos encontrar na literatura uma única revisão sistemática de um ensaio clínico randomizado e controlado comparando uma fórmula rotineira com uma fórmula contendo uma mistura de pré-bióticos. Não houve qualquer diferença significativa entre os dois grupos estudados no que se refere à frequência das evacuações por semana após três semanas de estudo, mas, no grupo que recebeu pré-bióticos houve uma pequena melhora no que diz respeito à consistência das fezes, embora este achado não tenha se mostrado estatisticamente significante. Tomando-se por base esses dados limitados, o uso rotineiro de pré ou pró-bióticos para o tratamento da constipação na infância não está recomendado no manual de conduta holandês.

3- Seguimento
Apenas 50% de todas as crianças seguidas entre 6 e 12 meses apresentaram cura da constipação e foram exitosamente “desmamadas” do uso de laxantes. Além disso, em 50% dos pacientes que utilizaram tratamento com laxantes foram registrados efeitos colaterais adversos, tais como: dor abdominal, flatulência, diarreia, náusea e distensão abdominal. Não existem dados disponíveis na literatura quanto a possíveis efeitos adversos de longo prazo tais como distúrbios eletrolíticos, lesão da mucosa e dependência, com relação aos diferentes laxantes disponíveis. Baseados nesses dados torna-se de grande importância o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento para este específico transtorno crônico.

4- Qualidade de Vida
As crianças que sofrem de constipação funcional relatam ter uma qualidade de vida prejudicada em relação às queixas físicas e a longa duração dos sintomas. A qualidade de vida relatada pelos pais destas crianças mostra-se ainda mais pessimista do que aquela descrita pelas próprias crianças. Ainda mais importante, aquelas crianças que persistem apresentando sintomas de constipação encontram-se sob o risco de apresentarem comportamento global abaixo do esperado e de sofrer uma deficiente qualidade de vida tanto na infância quanto quando atingirem a idade adulta.

MEUS COMENTÁRIOS
Está bem estabelecido que a constipação crônica funcional é um grande estorvo tanto para o paciente quanto para seus familiares. Conforme se pode depreender da experiência holandesa, transcrita neste artigo de revisão, a constipação crônica funcional trata-se de um transtorno de difícil solução definitiva e que na maioria das vezes apresenta evolução extremamente tortuosa, e que não se pode prever com segurança a total resolução dos sintomas. A situação torna-se ainda mais problemática quando a constipação crônica vem acompanhada de escape fecal, porque além do problema da constipação em si, tem-se o agravo do estigma social decorrente do odor extremamente desagradável exalado pelo paciente. É, portanto, sob este ponto de vista que se devem envidar esforços para curar a constipação, mas, caso o êxito terapêutico não seja de todo alcançado, pelo menos se deve evitar a persistência do escape fecal. É, portanto, nossa missão atuar para atingir a cura definitiva, mas se este objetivo por quaisquer razões não for conseguido, pelo menos se devem evitar que os efeitos colaterais adversos da constipação funcional crônica prejudiquem de forma significativa a qualidade de vida dos nossos pacientes.