segunda-feira, 18 de julho de 2016

Gastrites (Parte 3)

   Milena R. Macitelli & Ulysses Fagundes Neto



Diagnóstico

O diagnóstico baseia-se essencialmente na histologia, cuja avaliação se realiza em material obtido por meio de biópsia do estômago, e não através dos possíveis achados endoscópicos, pois estes podem ser muito variáveis.

A gastrite em diversas circunstancias é diagnosticada através de biópsias da mucosa gástrica cuja aparência macroscopia ao exame endoscópico não evidencia quaisquer anomalias.

Endoscopia Digestiva Alta e Biópsia Gástrica

A partir do momento que a endoscopia for indicada, é importante que o endoscopista se esforce para maximizar o potencial diagnóstico do procedimento. Achados endoscópicos e histológicos devem ser sempre interpretados em combinação com a história clínica obtida e os achados do exame físico.

Patologista experiente com conhecimento especifico em doenças gastrointestinais representa o pilar central de todo o processo diagnóstico. Em Pediatria, frequentemente, há uma tendência em fornecer o diagnóstico de gastrite baseado no infiltrado celular, o qual pode estar marginalmente aumentado e muitas vezes pode ser explicado por uma infecção viral recente.

Recomenda-se fortemente que o endoscopista e o gastroenterologista revisem a histologia do paciente com o patologista, pois este procedimento possibilita estabelecer uma excelente correlação entre os sintomas referidos pelo paciente e os achados histopatológicos.

Inflamação crônica não-específica é um achado comum e, normalmente, de pouca importância no manejo dos pacientes, entretanto, a exclusão de outras causas possa ser útil. Há alguns padrões de normalidade de infiltrado celular na mucosa gástrica de crianças, baseados em biópsias "normais" em estudos retrospectivos anteriores.

Algumas drogas podem causar alterações endoscópicas e histopatológicas importantes, tais como:
          Compostos de bismuto
          Antibióticos
          Anti-inflamatórios não esteroides
          Ferro administrado por via oral
          Corticosteroides orais/inalatórios
          Agentes quimioterápicos

As drogas utilizadas pelos pacientes devem ser suspensas pelo menos 2 semanas antes do procedimento para evitar que achados endoscópicos sejam mascarados.

Achados endoscópicos

Recomenda-se que o endoscopista documente apenas o que for realmente visualizado, evitando o uso de jargões envolvendo as terminações em "ite", como por exemplo, ao invés de relatar gastrite é mais apropriado descrever desde eritema a ulceração da mucosa. No caso de a mucosa apresentar-se avermelhada deve ser documentada como enantematosa ou eritematosa, com variações desde leve, moderada, intensa até hemorrágica.

A presença de nodularidade antral pode indicar a ocorrência de gastrite por H. pylori (passada ou atual). Os nódulos podem durar de meses a anos após a erradicação do H. pylori e a resolução da gastrite e da inflamação podem não estar presentes na biópsia.

As lesões encontradas na mucosa gástrica podem ser descritas como superficiais ou profundas, mas é importante diferenciar a profundidade das mesmas, a saber:

Erosão - lesão da mucosa que não penetra a muscular da mucosa. As erosões usualmente são múltiplas, têm bases esbranquiçadas e cada uma é delimitada por um anel de eritema.  Quando uma erosão apresentou sangramento recente, sua base torna-se negra.

Úlcera – se estende à muscular e à submucosa. As úlceras são lesões mais profundas e quando profundas podem ter bordas laminadas.


Figura 6- Diferença entre a erosão e a úlcera gástrica e/ou duodenal. A erosão é uma lesão que não ultrapassa a muscular da mucosa (MM), enquanto a úlcera ultrapassa a MM.

A presença de hemorragia dá uma aparência à mucosa de cor vermelha brilhante em placas ou petequeias discretas. Embora alguns endoscopistas relatem "hemorragia da submucosa", a endoscopia não permite a visualização além da muscular da mucosa. Portanto, o termo hemorragia subepitelial é o mais adequado. Outros termos para hemorragia subepitelial também são utilizados, tais como: gastrite aguda, gastrite hemorrágica e erosão hemorrágica.

Quando as erosões ou ulceras são observadas, alguns aspectos das mesmas devem ser caracterizados:

·         Local anatômico do estômago ou duodeno
·         Tamanho, forma, quantidade
·         Profundidade (superficial ou profunda)
·         Natureza da borda (elevada ou laminada)
·         Presença de vasos ou coágulos
·         Sangramento ativo
·      Nódulos ou pseudopólipos podem ocorrer em doenças como: gastrite eosinofílica, gastrite por Citomegalovirus, gastrite, Doença de Crohn.

Amostras de biópsia

Apesar do antro ser o local de maior incidência de anormalidades histológicas de diversas doenças em crianças, as biópsias devem ser obtidas de diferentes zonas topográficas do estômago. O número e a localização da biópsia dependem da doença suspeitada e dos achados endoscópicos. Mesmo quando a mucosa aparenta ser normal, biópsias devem ser obtidas (cárdia na suspeita de infecção por H. pylori, doença do refluxo gastresofágico ou linfoma MALT).

O tamanho das biópsias é importante e deve seguir a seguinte orientação:

·         Lactentes acima de 2-3 meses: canal de biópsia de 2.8mm é adequado.

·         Crianças a partir de 5-6 anos de idade: fórceps "jumbo" oferecem 2 a 3 vezes mais mucosa.

Em alguns casos, a ressecção endoscópica da mucosa ou biópsias cirúrgicas podem ser indicadas, como por exemplo nas doenças infiltrativas, tais como, câncer, linfomas, leiomioma/leiomiossarcomas ou polipose gástrica.

Abordagem histológica

Há muitas maneiras de abordar e descrever histologicamente ou classificar a gastrite. A quantidade de classificações para uma mesma doença demonstra claramente as controvérsias existentes na literatura. A conturbada nomenclatura de várias classificações dificultou a compreensão da doença durante diversos anos.

A classificação de Sidney é aceita em adultos, porém tem pequena aplicabilidade em crianças (Quadro 1). Por este motivo gastroenterologistas pediátricos devem ter como foco obter uma amostra significativa de material de biópsia e, além disso, a análise dos achados histológicos deve ser realizada por patologista com larga experiência em patologias do trato digestivo.


Quadro 1- Sistema de Classificação de Sidney

Para a abordagem das lesões histológicas é tradicional descrever o tipo de célula presente e sua respectiva distribuição na mucosa de um determinado órgão. O processo inflamatório obervado pode ser do tipo “agudo” ou “ativo” quando há presença de neutrófilos. A presença de qualquer quantidade de neutrófilos é anormal, indicando inflamação aguda ou ativa.

Por outro lado, deve ser considerado “crônico” quando estão presentes células arredondadas, tais como, linfócitos, plasmócitos etc. No processo crônico associado à atividade podem ser encontradas células de ambas as características anteriormente mencionadas.

A presença de folículos linfoides, em crianças, é altamente sugestiva de infecção por H. pylori. Caso os folículos linfóides e a inflamação estiverem presentes na ausência do H. pylori, é provável que o microrganismo tenha sido eliminado. Ainda na infecção por H. pylori, os folículos linfoides podem deixar de serem encontrados se o tamanho ou número de biópsias forem insuficientes.

Em associação ao infiltrado celular, deve-se também descrever a extensão e a profundidade da lesão, bem como se a mesma está localizada de forma focal ou difusa no material de biópsia analisado.

Atrofia e metaplasia intestinal

Atrofia gástrica ("gastrite atrófica") é uma importante consequência de gastrite. É considerada uma lesão pré-neoplásica quando um certo tipo de metaplasia intestinal desenvolve-se na mucosa atrófica. Apesar de a infecção por H. pylori ser, majoritariamente, a principal causa de gastrite atrófica, esta pode ser o resultado de qualquer processo crônico grave à mucosa gástrica, como por exemplo, gastrite varioliforme e em doenças autoimunes com acometimento gástrico.

A atrofia gástrica típica caracteriza-se por perda glandular, ausência de regeneração e presença de fibrose, com ou sem metaplasia. Gastrite atrófica é uma lesão irregular e pode não ser vista por falha de amostragem (caso não haja material suficiente, ou este não é coletado de locais múltiplos).

É amplamente aceito que a metaplasia intestinal por si só constitui uma forma de gastrite atrófica, mesmo que a perda glandular não seja tão evidente. Deve-se dar a devida atenção ao interpretar "gastrite atrófica" e "metaplasia intestinal", pois mesmo para alguns especialistas, a perda glandular pode ser subjetiva. Quando há inflamação ativa, células inflamatórias e edema podem "puxar" as glândulas para baixo, dando aparência de atrofia, o que na verdade se constitui em pseudoatrofia.

Estudos realizados no Japão e na Colômbia mostraram que 10% das crianças infectadas por H. pylori apresentavam atrofia gástrica.

Causas de Gastrite

A classificação de gastrite de acordo com a causa subjacente, pode ser útil para se entender a história natural da lesão. No passado classificava-se como erosiva e não erosiva. Atualmente a gastrite deve ser classificada apenas de acordo com sua etiologia (Quadro 2).


Quadro 2- Causas de gastrite e gastropatias.

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