terça-feira, 20 de setembro de 2016

Pancreatite Crônica: diagnóstico e tratamento (Parte 4)

Ana Catarina Gadelha de Andrade & Ulysses Fagundes Neto


B- Testes Indiretos

Os testes indiretos são usados ​​rotineiramente na prática clínica, pois são simples, não invasivos, mais rápidos e menos dispendiosos do que os testes diretos. O desenvolvimento de novos testes indiretos facilitou a abordagem diagnóstica, porém, deve-se enfatizar que os testes indiretos têm sensibilidade e especificidade limitadas, especialmente em pacientes com insuficiência pancreática leve a moderada (Tabelas 5 e 6).

Os testes indiretos avaliam a função pancreática exócrina através da quantificação da capacidade digestiva da glândula e dos níveis de enzimas pancreáticas nas fezes.

Desde um ponto de vista metodológico, os testes indiretos podem ser classificados da seguinte forma, a saber: orais e fecais.

Os testes orais baseiam-se na ingestão de um substrato é em uma refeição teste. Em condições normais as enzimas pancreáticas hidrolisam o substrato no duodeno e os metabólitos liberados são absorvidos no intestino e podem ser medidos nas fezes ou respiração. Os principais testes indiretos de uso rotineiro na prática clínica são:

1-  Quantificação da gordura fecal: calcula-se o coeficiente de absorção de gordura após uma dieta com sobrecarga de gordura por 5 dias. É considerada o padrão-ouro para insuficiência pancreática exócrina com má absorção de gordura;

2-  Quimiotripsina fecal: quantifica a atividade da quimotripsina isolada em pequena amostra de fezes. A quimotripsina é variavelmente inativada durante a passagem intestinal, de tal forma que a atividade da quimiotripsina fecal não reflete com precisão a secreção pancreática. Além disso, a diluição em pacientes com diarreia de qualquer etiologia também irá diminuir a atividade fecal da enzima. O teste é consistentemente normal em casos de PC leve e em cerca de metade dos pacientes com doença moderada ou grave. O resultado sofre interferências das enzimas pancreáticas exógenas, sendo utilizado para avaliação da terapia de reposição enzimática.

3-  Elastase fecal: a elastase é altamente estável ao longo do trânsito gastro-intestinal, e sua concentração fecal se correlaciona significativamente com a quantidade de enzima secretada pelo pâncreas exócrino. A metodologia utilizada para quantificar a enzima é baseada em anticorpos humanos monoclonais específicos, e não sofre interferência da terapia de substituição enzimática oral. A quantificação da elastase fecal não é sensível o suficiente para detectar pacientes com PC leve, porém sua sensibilidade nas doenças moderadas a graves atinge valores próximos a 100%. A especificidade também é alta, limitada apenas pela diluição em casos de diarréia aguda. A determinação da elastase fecal é um teste de fácil aplicabilidade clínica e pode ser usado como primeiro teste para o estudo de pacientes com suspeita clínica de doença pancreática crônica e para o acompanhamento de pacientes suficientes pancreáticos.

4-  Teste Respiratório: é considerado um teste alternativo ao da quantificação de gordura fecal. Neste teste o substrato (triglicerídeos) marcado é administrado por via oral com uma refeição teste.  Ocorre hidrólise intra-duodenal do substrato por enzimas pancreáticas específicas e metabólitos marcados com C¹³ são liberados, absorvidos pelo intestino e metabolizados no fígado. Como conseqüência do metabolismo hepático, ¹³CO₂ é liberado e eliminado com o ar expirado. É usado para a avaliação da terapia de substituição enzimática.

Tabela 5- Testes Diretos e Indiretos de avaliação da função pancreática



Tabela 6- Principais testes indiretos de avaliação da função pancreática


Tratamento

O tratamento da PC baseia-se nos seguintes pilares, a saber:

A- Suporte nutricional; B- Controle da dor; C- Tratamento da insuficiência pancreática exócrina; D- Tratamento do diabetes; E- Uso de anti-oxidantes; F- Suplementação vitamínica; G- Tratamento cirúrgico

SUPORTE NUTRICIONAL

Apesar da escasses de dados a respeito da nutrição enteral em Pediatria, este procedimento tem sido amplamente adotado. Uma sonda de alimentação naso-jejunal é colocada radiologicamente ou por via endoscópica. O paciente é alimentado com uma fórmula contendo alto teor de  proteína e baixo teor de gordura, até o início da ingestão por via oral.

Por outro lado, estudos referem que a nutrição parenteral total prejudica a imunidade humoral e a mediada por células, aumenta a resposta pró-inflamatória, induz à translocação bacteriana, e consequentemente aumenta as taxas de infecção.

CONTROLE DA DOR

O tratamento da dor deve ser iniciado com analgésicos convencionais. No caso de não se alcançar o alívio da dor, a prescrição de tramadol, morfina ou opiáceos pode ser necessário.

Outras estratégias de alívio da dor, ainda não comprovadas,  incluem a inibição da secreção de enzimas pancreáticas usando terapia de enzimas pancreáticas e uso de antioxidantes.

Abordagens invasivas, como o bloqueio do plexo celíaco, procedimentos endoscópicos e drenagem cirúrgica  também têm sido usados ​​como terapia para a dor.

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA EXÓCRINA (IPE)

Consiste na terapia de reposição das enzimas pancreáticas, assim que esta for diagnosticada.

Os objetivos são: ter uma dieta normal ou com maior quantidade de gordura, evitar a perda de peso e sintomas relacionados a IPE, reduzir deficiências vitamínicas e melhorar o estado nutricional.

O parâmetro clínico mais importante para monitorar a eficácia do tratamento é o peso corporal.

As enzimas pancreáticas exógenas são basicamente extraídas de fonte suína, e as preparações contêm uma mistura variável de protease, lipase e amilase, dependendo do fabricante.

Para lactentes, sugere-se que mini-microesferas ou microesferas sejam utilizadas. Para cada 120 ml de fórmula láctea ou leite materno, uma dose inicial de 2500-4000 UI lipase devem ser usadas (400-800 UI de lipase por grama de gordura na dieta).

As micro/mini-microesferas são misturadas a uma pequena quantidade de fórmula, leite materno ou papa de frutas,
e oferecidas com colher. Idealmente, a dose deve ser dividida entre o início, meio e fim da alimentação. 

A dose é aumentada gradualmente de acordo com sinais e sintomas, por exemplo, a aparência e a frequência das fezes, ganho de peso, crescimento e absorção de gordura.

Uma vez que o alimento sólido é introduzido, a dose da enzima é titulada, individualmente, de acordo com a ingestão de gordura. O objetivo é manter a ingestão de lipase abaixo de 10.000 UI/kg/dia.

Para crianças maiores e adultos, a dose inicial sugerida 10.000-20.000 UI lipase por refeição. As enzimas devem ser administradas a todos os alimentos contendo gordura. As cápsulas devem ser ingeridas inteiras, quando possível (crianças de 3 ou 4 anos). Não devem ser esmagadas ou mastigadas na boca. Caso as microesferas sejam removidas das cápsulas, não devem ser misturadas com toda a refeição, mas sim com um pouco de líquido ou alimento e deglutidas na integra de forma imediata.

Evidência de que a absorção de gordura foi controlada, deve ser constatada pelo esteatócrito ou através da quantificação da gordura fecal de 3 dias.

TRATAMENTO DA DIABETE MELITO (DM)

O tratamento é semelhante ao indicado para a DM 1. Os pacientes com PC têm um risco aumentado de hipoglicemia devido à deficiência co-existente de glucagon, principalmente os que mantém ingestão de álcool ou com neuropatia autonômica. Nesses pacientes, deve-se evitar a hipoglicemia através do uso de insulina de ação simples. Aproximadamente 50% dos pacientes não terão sobrevida superior a 10 anos após o diagnóstico inicial e, portanto, não irão se beneficiar de insulinoterapia agressiva.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

A principal indicação para a terapia endoscópica e cirúrgica é a dor intratável. O objetivo principal é restabelecer uma   drenagem adequada dos ductos pancreáticos. Os dados pediátricos são escassos e limitados a pequenas séries de casos, e a decisão de cirurgia em crianças é, muitas vezes, baseada na experiência com adultos. Terapia endoscópica refere-se à colocação de stent, o que somente será útil se houver uma  estenose dominante com evidências de obstrução do ducto pancreático. Uma opção cirúrgica importante inclui o procedimento de drenagem como a Pancreaticojejunostomia lateral, que é útil para grandes estenoses do ducto na metade distal do pâncreas. Este procedimento tem baixa morbidade e mortalidade. O alívio imediato da dor é observado em 80% dos pacientes.

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