terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Vômitos Cíclicos: Diagnóstico e Tratamento (Parte 1)

Cristiane Boé e Ulysses Fagundes Neto

Introdução

A Síndrome dos Vômitos Cíclicos (SVC) foi primeiramente descrita por Samuel Gee, em 1882, entretanto, até o presente momento, não há uma certeza absoluta a respeito da sua etiologia e fisiopatologia. A SVC trata-se de um distúrbio funcional caracterizada por episódios recorrentes de náuseas e vômitos com duração de horas ou dias, seguidos de intervalos livres de sintomas.

Desde um ponto de vista de gênero acomete mais meninas que meninos (60:40), usualmente em idade escolar, porém pode haver uma grande gama de faixa etária, variando de lactentes a adultos jovens, mais frequentemente em indivíduos da raça branca.

Ainda que seja uma síndrome cujos sintomas são episódicos, resulta em 24 dias de falta à escola, com um custo anual de até US$17.035,00. Abu-Arafeh et al caracterizaram a SVC em 1,9% dos escolares em Aberdeen, no norte da Escócia.

A patogênese e a etiologia da SVC permanecem desconhecidas, porém, há forte associação entre esta síndrome e enxaqueca, sugerindo que a fisiopatologia pode ser a mesma, pois apresentam similaridades de sintomas, evolução e resposta positiva ao uso de medicamentos anti-enxaqueca. Cerca de 2/3 dos pacientes que são capazes de fornecer informações fidedignas, referem uma associação com a Síndrome do Intestino Irritável, posto que 11% deles apresentam história de enxaqueca. Alterações emocionais ocorrem em 40% dos pacientes e 50% destes têm história familiar positiva para Síndrome do Intestino Irritável ou enxaqueca.

Um conceito recente sobre a fisiopatologia da SVC sugere que a depleção da energia mitocondrial devido a uma mutação, associada à precipitação por estresse ou excitação, podem ser os fatores deflagradores para o aparecimento dos episódios de vômitos em pacientes com SVC.

Características clínicas

Aproximadamente entre 40 a 80% dos pacientes apresentam fatores desencadeantes que estão relacionados aos episódios de vômitos, a saber:

1.  Estresse psicológico
2.  Infecções
3.  Cansaço físico
4.  Alimentos específicos (queijo, chocolate.)
5.  Menstruação
6.  Clima quente
7.  Comer em excesso/jejum

Sintomas prodrômicos soem ocorrer em 1/3 dos episódios, os quais geralmente se iniciam na madrugada ou nas primeiras horas do dia, podem ter a duração de até 2 horas e mesmo se estender por até 10 dias, e se repetem de 4 a 12 vezes por ano. Em geral a média é de 4 vômitos/hora.

Os principais sintomas associados são: dor periumbilical, cefaleia, salivação e fotofobia. Os episódios tendem a ser os mesmos para cada indivíduo, e os pais são capazes de identificar eventos desencadeadores em 76% dos casos, sendo psicológicos e infecciosos em 47% e 31%, respectivamente. Vale enfatizar que emoções positivas são mais frequentemente identificáveis que o estresse negativo.

Diagnóstico

Há grande dificuldade diagnóstica porque não há uma etiologia definida, e, nem tampouco existem marcadores laboratoriais específicos para o diagnóstico de certeza. Por estas razões foram criados critérios para o auxílio diagnóstico, e atualmente existem 2 entidades que desenvolveram tais critérios, a saber: a) ROMA IV (2016); b) NASPGHAN (2008)

Critérios Diagnósticos     
                  
a) ROMA IV

2 ou mais episódios de intensa náusea e vômitos com duração de horas ou dias; retorno para o estado de saúde habitual com duração de semanas a meses.
* Os dois critérios devem estar presentes
** Mudança de 3 episódios (ROMA II) para 2 visando facilitar o reconhecimento da CVS e diminuição do sofrimento do paciente

b) NASPGHAN

Devem ocorrer pelo menos 5 crises em qualquer intervalo, ou um mínimo de 3 episódios em um período de 6 meses. Episódios de náusea e vômitos intensos durando de 1 hora a 10 dias, separados por pelo menos 1 semana. Deve haver um padrão estereotipado em cada paciente, os vômitos durante os ataques ocorrem no mínimo 4 vezes/hora, por pelo menos 1 hora. Há o retorno ao estado clínico normal entre os episódios e não deve haver atribuição à qualquer outra enfermidade.
* Todos os critérios devem estar presentes

Diagnóstico Diferencial

O desafio que se apresenta é diferenciar os pacientes que apresentam causas bem determinadas para os vômitos (10%), daqueles com causa idiopática (90%). O emprego destes critérios ajuda a diferenciá-los, o que irá evitar submeter os pacientes a procedimentos desnecessários.

Os critérios propostos pela NASPGHAN sugerem alguns sintomas suspeitos que devem ser investigados, tais como:

1-         Vômitos biliosos, dor abdominal intensa, com sinais de peritonite:

Observar possíveis sinais de obstrução intestinal que podem estar presentes na má rotação intestinal e aderências; hepatite, pancreatite, obstrução da junção uretero-pélvica. Deve-se realizar investigação apropriada e específica solicitando os seguintes exames: raio X do abdome, amilase e lipase séricas, hepatograma, ultrassonografia e/ou tomografia do abdome.

Caso ocorra hematêmese não há recomendação imperiosa para realização de endoscopia digestiva alta, a não ser que o paciente apresente sintomas entre os episódios que indiquem patologia específica ou sangramento em grande quantidade.

Ao se suspeitar de porfiria deve-se considerar a gravidade, a intensidade dos vômitos e a dor abdominal recorrente, associadas a ansiedade, depressão, alucinação, convulsão e paresia das extremidades.

2- Ataques precipitados por outra doença, jejum ou refeição com alto teor de proteína:

Deve-se levar em consideração a possibilidade de eventuais transtornos metabólicos (ácidos graxos, ciclo da ureia, aminoácidos, ciclo mitocondrial de energia) seguidos de estado catabólico induzido por jejum, infecção ou refeição com alto teor de proteína. Geralmente as afecções metabólicas aparecem logo após o nascimento, os defeitos no ciclo da ureia são diagnosticados com dosagem de amônia plasmática acima de 150µm/L, as deficiências enzimáticas parciais podem ser silenciosas até que ocorram fatores precipitantes que podem ser detectados nas análises sanguíneas e urinárias.

3. Anormalidades no exame neurológico:

Caso existam sinais localizatórios no exame neurológico, tais como, alteração recente da personalidade e/ou sinais de hipertensão intracraniana deve-se realizar exame de neuroimagem. Nestes casos a maior dificuldade está em diferenciar alteração do estado mental, pois os pacientes com SVC apresentam alteração da consciência durante os episódios de vômitos (letargia, desorientação). Na SVC, a criança está orientada, é capaz de responder a comandos, mas prefere não responder por causa da náusea.  
    
Figura 1- Gráfico esquemático dos critérios diagnósticos para SVC e o guia de conduta a ser seguido



Figura 2- Diagnósticos Diferenciais a serem considerados

Algumas situações tornam difícil a diferenciação de um episódio de SVC com gastroenterite viral, entretanto, deve-se levar em consideração que há necessidade de se empregar uma taxa de reidratação intravenosa 75 vezes maior na SVC do que na gastroenterite por rotavírus.

A dor abdominal pode ser muito intensa a ponto de se considerar a indicação de laparotomia por suspeita da existência de abdome agudo. Dentro do sistema digestório, a má-rotação intestinal com volvo intermitente é a complicação mais grave e comum, que pode resultar em grande ressecção de intestino delgado.

Letargia, dificuldade para falar, andar, ou interagir, pode simular semi-coma e preocupa quanto à presença de choque, meningite ou intoxicações.

Vale enfatizar que devido ao elevado grau de dificuldade em se estabelecer o diagnóstico da SVC o tempo para se comprovar de forma definitiva a ocorrência desta síndrome tarda em média 2,7 anos.

Um comentário:

Ilana disse...

Boa Tarde,
Tenho Síndrome de Vômitos Cíclicos a 5 anos, moro no Rio de Janeiro, faço uso de amitriptilina a mais de 1 ano e não tenho resultado satisfatório. Preciso de uma indicação de algum médico no Rio de Janeiro que esteja interessado em acertar um tratamento pra mim, infelizmente já passei por vários de seus colegas e meus relatos de descasos seriam longos demais para escrever aqui. Peço desculpas pelo incômodo e desde já agradeço a atenção!