quarta-feira, 20 de setembro de 2017

CONSTIPAÇÃO INTRATÁVEL (parte 1)

Juliana Ferraz e Ulysses Fagundes Neto

Constipação intestinal é caracterizada pela dificuldade e dor para evacuar com eliminação de fezes endurecidas e ressecadas. Investigações epidemiológicas estimam que 3% de todas as consultas em Pediatria e 25% das avaliações em Gastroenterologia Pediátrica devem-se a queixa de constipação.

A constipação crônica revela-se um grande transtorno para o paciente e seus pais, pois, além dos elevados custos para identificar sua causa e também é oneroso instituir seu respectivo tratamento. Deve-se também levar em consideração os dias de ausência à escola que inevitavelmente ocorrerão.

A causa mais comum de constipação na infância é a retenção fecal funcional sem doença orgânica, porém, quando a constipação se torna um sintoma crônico e grave acarreta consequências psicossociais significativas e de grande impacto na qualidade de vida do paciente.

Na Tabela 1, abaixo, estão apresentados os critérios de Roma III para o diagnóstico da constipação funcional.


Na Tabela 2, abaixo, estão descritos os principais fatores etiológicos da constipação crônica.


Na Tabela 3, abaixo, estão descritas as propostas de abordagem diagnóstica da constipação pela Sociedade Norte-americana de Gastroenterologia Pediátrica.


No que diz respeito à constipação intratável deve-se levar em consideração alguns fatores etiológicos, a saber: Dismotilidade colônica, Distúrbios funcionais, Anormalidades do assoalho pélvico, Aganglionose de segmento ultra-curto e Distúrbios comportamentais.

AGANGLIONOSE DE SEGMENTO ULTRA-CURTO

Geralmente apresenta início mais tardio, usualmente sem história de escape fecal ou comportamento de retenção. A patogênese e a fisiopatologia exata ainda não estão totalmente compreendidas, mas anormalidades de inervação intramusculares e da junção neuromuscular parecem ser responsáveis pela disfunção motora anal.

O exame da Manometria anorretal revela relaxamento incompleto do esfíncter anal interno e a biópsia retal pode mostrar células aganglionares.

TRÂNSITO COLÔNICO LENTO

Neste caso o problema está associado com diminuição da substância P, a qual normalmente está presente na inervação do músculo circular do cólon. Vale ressaltar que a diminuição da substancia P é mais comum em mulheres. Um estudo avaliando 78 crianças com constipação intratável revelou que a substância P encontrava-se reduzida em 10/26 (40%) meninas, mas apenas em 11/52 (20%) meninos. O melhor método para caracterizar trânsito colônico lento é a utilização de marcadores radiopacos.

ANORMALIDADES DO ASSOALHO PÉLVICO 

O mecanismo pelo qual as lesões da medula espinal produzem constipação é desconhecido, porém sabe-se que danos ao nervo vago acarretam retardo do trânsito do cólon direito. Por outro lado, quando a lesão ocorre acima dos nervos sacrais observa-se trânsito anormal do cólon esquerdo. Nestas circunstâncias ocorre uma falta de sensibilidade à distensão retal que geralmente vem acompanhada de história de incontinência urinária combinada com a incontinência fecal.

Na Tabela 4 abaixo está descrita a evolução natural da constipação intratável que teve seu início a partir de um quadro de constipação funcional de longa duração.

DIAGNÓSTICO

Uma avaliação completa é fundamental para o planejamento da terapia apropriada da constipação intratável. Devem ser realizados exames de acordo com os sintomas da criança e para tal é necessário seguir determinados preceitos, tais como, descartar obstrução mecânica, avaliar a dilatação intestinal, realizar a manometria anorretal e o estudo radiológico contrastado do trânsito intestinal. No entanto, apesar da avaliação completa, muitos casos permanecem como sendo de causa idiopática.

ESTUDO DO TRÂNSITO COLÔNICO

Trata-se de um procedimento benéfico para as crianças com constipação crônica resistente ao tratamento e permite diferenciar qual o tipo da constipação, com a qual se está lidando, pois esta pode ser devida aos seguintes fatores:

            - Atraso de trânsito segmentar
            - Atraso de trânsito pancolônico
            - Constipação com transito normal

O atraso do trânsito está presente em cerca de 60% das crianças com constipação intratável, sendo que 13% dos que apresentam este tipo de atraso têm disfunção pélvica.

MANOMETRIA ANORRETAL

Trata-se de um procedimento extremamente valioso para avaliar a fisiologia anorretal, a dinâmica evacuatória e também auxiliar no diagnóstico diferencial de doenças orgânicas. Além destas vantagens a manometria se presta a orientar a abordagem terapêutica, pois a ausência do Reflexo Inibidor Anal caracteriza a existência da Doença de Hirschsprung. A constatação de um alto limiar sensorial para a vontade de defecar indica a existência de Dismotilidade, e a presença de um relaxamento incompleto do esfíncter anal interno define a aganglionose de segmento ultra-curto. A Figura 1, abaixo, mostra um estudo da manometria ano-retal normal.




  MANOMETRIA COLÔNICA

Este procedimento serve para a diferenciação de causas de constipação intratável na infância e pode orientar a abordagem cirúrgica, mostrando o comprimento do segmento do cólon afetado.

A Manometria Colônica se constitui em um biomarcador sensível e específico de neuropatia colônica para caracterizar a constipação intratável devido a trânsito lento:

           100% de sensibilidade,
           86 % de especificidade,
           92 % de Valor Preditivo Positivo,
          100 % de Valor Preditivo Negativo

A Figura 2, abaixo, exemplifica os diferentes níveis de alteração da manometria colônica.


Figura 2- Desenho esquemático dos diferentes níveis de estudo da manometria colônica.

A Figura 3, abaixo, mostra as diferenças entre manometria colônica normal e aquela devida a trânsito colônico lento.


 Figura 3- Manometria colônica comparativa entre normal e trânsito lento.

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR (RMN) DA COLUNA

Aproximadamente 3% dos pacientes com distúrbios da defecação e exame neurológico normal, apresentam anormalidades da coluna lombo-sacral identificados pela RNM.

Investigação realizada em 88 pacientes, com constipação intratável que se submeteram à RNM de coluna, evidenciou que em 8 (9%) deles havia anormalidades na medula espinhal, sendo que nenhum dos pacientes apresentou exame neurológico alterado.

Neste grupo de estudo 25% dos pacientes apresentavam um histórico de encoprese e 37,5% referiam história de enurese, porém todos os 8 pacientes tinham radiografias simples lombossacrais normais.

A pressão anal em repouso medido por manometria ano-retal mostrou-se normal, e 7 dos 8 casos foram reparados cirurgicamente.

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