terça-feira, 6 de março de 2018

Reações de Fermentação: aquilo que vale a pena saber a respeito delas (Parte 3)

Ulysses Fagundes Neto
Diretor Médico do IGASTROPED
(www.igastroped.com.br)

Fermentação Láctica


A fermentação láctica é o processo metabólico no qual carboidratos e compostos relacionados são parcialmente oxidados, resultando em liberação de energia e compostos orgânicos, principalmente ácido láctico, sem qualquer aceptor de elétrons externo. É realizada por um grupo de microrganismos denominados bactérias ácido-lácticas, as quais têm importante papel na produção/conservação de produtos alimentares, ou pelas fibras musculares em situações de intensa atividade física, nas quais não há suprimento de oxigênio suficiente para que ocorra a respiração celular, levando a acúmulo de ácido láctico na região, o que provoca dores, cansaço e câimbras (Figura 18).
Figura 18- Representação esquemática da causa de câimbra.

A fermentação láctica pode ser classificada em dois tipos, de acordo com a quantidade de produtos orgânicos formados, a saber: homolática e heteroláctica.

Microrganismos fermentadores

O grupo das bactérias ácido-lácticas é composto por 12 gêneros de bactérias Gram-positivas: Carnobacterium, Enterococcus, Lactococcus, Lactobacillus, Lactosphaera, Leuconostoc, OenococcusPediococcus, Streptococcus, Tetragenococcus, Vagococcus e Weissella. Todos os membros desse grupo apresentam a mesma característica de produzir ácido láctico a partir de hexoses. Streptococcus thermophilus é o microrganismo mais importante nos alimentos. Algas e fungos (leveduras e ficomicetos) são também capazes de sintetizar ácido láctico. Produção comparável à das bactérias homofermentativas é obtida pelo fungo Rhizopus oryzae em meio de glicose. Sua utilização é preferível à das bactérias homofermentativas, porque o tempo gasto na fermentação é menor e a separação do produto, mais simples.

Fases da fermentação láctica

A fermentação láctica, tal como a alcoólica, realiza-se em duas fases:

1º Fase: Glicólise

A equação global final quando a glicólise é o substrato:

Glicose + 2NAD+ + 2ADP + 2Pi http://saofranciscocdn.s3-website-us-east-1.amazonaws.com/wp-content/plugins/jquery-image-lazy-loading/images/grey.gif= 2 Piruvato + 2 NADH + 2H+ + 2ATP + 2 H2O

2º Fase: Fermentação láctica

Após a glicólise, a redução do piruvato é catalisada pela enzima lactato-desidrogenase. O equilíbrio global dessa reação favorece fortemente a formação de lactato. Microrganismos fermentadores regeneram continuamente o NAD+ pela transferência dos elétrons do NADH para formar um produto final reduzido, como o são o lactato e o etanol.

Reação de síntese do ácido láctico na fermentação

O rendimento em ATP da glicólise sob condições anaeróbicas resulta em apenas 2 ATP por molécula de glicose, muito inferior do que o obtido na oxidação completa da glicose sob condições aeróbicas, que resulta em 36 ou 38 ATP por molécula de glicose. Portanto, para produzir a mesma quantidade de ATP, é necessário consumir próximo de 18 vezes mais glicose em condições anaeróbicas do que nas condições aeróbicas (Figura 19).

 Figura 19- Esquema da reação de fermentação láctica.

Tipos de fermentação Láctica

A classificação da fermentação láctica é feita com base nos produtos finais do metabolismo da glicose:

1-  Fermentação homoláctica: processo no qual o ácido láctico é o único produto da fermentação da glicose. As bactérias homolácticas podem extrair duas vezes mais energia de uma quantidade definida de glicose do que as heterolácticas. O comportamento homofermentativo é observado quando a glicose é metabolizada, mas não necessariamente quando as pentoses o são, já que algumas bactérias homolácticas produzem ácidos acético e láctico quando utilizam pentoses. O caráter homofermentativo de algumas linhagens pode ser mudado pela alteração das condições de crescimento, tais como a concentração de glicose, o pH e a limitação de nutrientes. Todos os membros dos gêneros Pediococcus, Streptococcus, Lactococcus e Vagococcus são homofermentadores, assim como alguns Lactobacillus, são muito importantes para a formação da acidez nos laticínios.

2-  Fermentação heteroláctica: processo no qual ocorre produção da mesma quantidade de lactato, CO2 e etanol a partir de hexoses. As bactérias heterolácticas são mais importantes do que as homolácticas na produção de componentes de aroma e sabor, tais como o acetilaldeído e o diacetil. Os heterofermentadores são Leuconostoc, Oenococcus, Weissela, Carnobacterium, Lactosphaera e alguns Lactobacillus. O processo de formação de diacetil a partir do citrato na indústria de alimentos é fundamental para a formação do odor, como por exemplo, na fabricação de manteiga.

Aplicação industrial da fermentação láctica

Alguns alimentos podem se deteriorar pelo crescimento e pela ação das bactérias ácido-lácticas. No entanto, a importância deste grupo de microrganismos consiste em sua grande utilização na indústria alimentar. Muitos alimentos devem sua produção e suas características às atividades fermentativas dos microrganismos em questão. Queijos maturados, conservas, chucrute e linguiças fermentadas são alimentos que possuem uma vida de prateleira consideravelmente maior que a matéria-prima da qual eles foram feitos. Além de serem mais estáveis, todos os alimentos fermentados possuem aroma e sabor característicos que resultam direta ou indiretamente dos organismos fermentadores. Em alguns casos, o conteúdo de vitaminas dos alimentos cresce juntamente com o aumento da digestibilidade da sua matéria-prima. Nenhum outro grupo ou categoria de alimentos é tão importante ou tem sido tão relacionado ao bem-estar nutricional em todo o mundo quanto os produtos fermentados (Figura 20).    


Figura 20- Exemplo de produto da indústria alimentícia resultante da fermentação láctica.

Fermentação acética
  
Consiste na oxidação parcial, aeróbica, do álcool etílico, com produção de ácido acético. Esse processo é utilizado na produção do vinagre comum e do ácido acético industrial. Desenvolve-se também na deterioração de bebidas de baixo teor alcoólico e na de certos alimentos. A fermentação acética é realizada por um conjunto de bactérias do gênero Acetobacter ou Gluconobacter, pertencentes à família Pseudomonaceae que produz ácido acético e CO2 (Figura 21). 
 Figura 21- Esquema da fermentação acética.
Desde a antiguidade a humanidade sabe fabricar vinagre, e, para obter tal efeito, basta deixar o vinho azedar. Nessa reação, o etanol reage com o O2 transformando-se em ácido acético. 

O vinagre é azedo, pois trata-se de uma solução aquosa de ácido. Assim, para evitar que um vinho se estrague, devemos impedir a entrada de O2 na garrafa, o que é feito deixando-a na posição horizontal. Se determinarmos os números de oxidação dos átomos presentes nas substâncias envolvidas na reação de fermentação acética, veremos que um dos carbonos e o oxigênio sofreram alterações.   
Podemos dizer que o O2 atuou como agente oxidante, pois causou a oxidação do álcool. Muitos outros agentes oxidantes seriam capazes de executar essa oxidação, como, por exemplo, o permanganato de potássio em meio ácido ou o dicromato de potássio em meio ácido. 
A fermentação acética corresponde à transformação do álcool em ácido acético por determinadas bactérias, conferindo o gosto característico do vinagre. As bactérias acéticas constituem um dos grupos de microrganismos de maior interesse econômico, de um lado pela sua função na produção do vinagre e, de outro, pelas alterações que provocam nos alimentos e bebidas. 
A bactéria acética ideal é aquela que resiste à elevada concentração de álcool e de ácido acético, com pouca exigência nutritiva, elevada velocidade de transformação do álcool em ácido acético, bom rendimento de transformação, sem hiperoxidar o ácido acético formado, além de conferir boas características gustativas ao vinagre. Essas bactérias acéticas necessitam do O2 do ar para realizar a acetificação. Por isso multiplicam-se mais na parte superior do vinho que está sendo transformado em vinagre, formando um véu conhecido como “mãe do vinagre”. Esse véu pode ser mais ou menos espesso de acordo com o tipo de bactéria.
O ácido acético produzido por bactérias desse gênero é o composto principal do vinagre, condimento obtido a partir da fermentação alcoólica do mosto açucarado e subsequente “fermentação acética”.  
Microorganismos    

As bactérias acéticas utilizadas neste processo são aeróbias e alguns gêneros possuem como importante característica a ausência de algumas enzimas do ciclo dos ácidos tricarboxílicos, tornando incompleta a oxidação de alguns compostos orgânicos (baixa oxidação).   
Por isso, são úteis não apenas para a bioconversão, produzindo ácido acético, mas, também, para outras, como ácido propiônico a partir do propanol, sorbose a partir de sorbitol, ácido glucônico a partir da glicose, além de outros.   
As bactérias do ácido acético, assim originalmente definidas, compreendem um grupo de microrganismos aeróbios, Gram negativos, bastonetes, que apresentam motilidade, realizam uma oxidação incompleta de álcoois, resultando no acúmulo de ácidos orgânicos como produto final.   
Outra propriedade é a relativa alta tolerância às condições ácidas, pois a maioria das linhagens são capazes de crescer em valores de pH baixo.<5 .="" nbsp="" o:p="">
Atualmente, o gênero Acetobacter, compreende as bactérias acéticas que apresentam flagelos peritrícos, com capacidade para oxidar o ácido acético.   
Um outro gênero presente no grupo das bactérias do ácido acético, denominado primeiramente Acetomonas e mais recentemente Gluconobacter, apresentam flagelos polares, e são incapazes de oxidar o ácido acético, devido à ausência do ciclo completo dos ácidos tricarboxílicos.   
Outra característica interessante de algumas espécies do grupo das bactérias acéticas, aeróbias estritas, é a capacidade para sintetizar celulose. A celulose formada não difere significantemente da celulose dos vegetais. 
O A. xylinum forma sobre a superfície de um meio líquido, uma capa de celulose, o que pode ser uma forma do organismo assegurar a sua permanência na superfície do líquido, onde o O2 está mais disponível. 
Características gerais do gênero Acetobacter  

As bactérias do gênero Acetobacter são bastonetes elipsoidais, retos ou ligeiramente curvos. Quando jovens são Gram negativos e as células idosas são Gram variáveis. Apresentam a capacidade de oxidar a molécula do etanol e do ácido acético a CO2 e H2O (superoxidação). São comumente encontradas em frutas e vegetais e estão envolvidos na acidificação bacteriana de sucos de frutas e bebidas alcoólicas, cerveja, vinho, produção de vinagre e fermentação de sementes de cacau.   
Os Acetobacter são capazes de fermentar vários açúcares, formando ácido acético, ou ainda, utilizam este ácido como fonte de carbono, produzindo CO2 e H2O.
As espécies capazes de oxidar o ácido acético, estão subdivididos em dois grupos, a saber: a) organismos capazes de utilizar sais de amônio como única fonte de nitrogênio, e b) um outro grupo sem esta capacidade.  

A espécie representativa do gênero Acetobacter é o Acetobacter aceti, que é capaz de utilizar sais de amônio como única fonte de nitrogênio, juntamente com outras espécies, tais como, Acetobacter mobile, Acetobacter suboxidans, etc.   

Características gerais do gênero Gluconobacter  

As bactérias acéticas deste gênero são bastonetes elipsoidais Gram negativas ou Gram positivas fracas quando as células estão envelhecidas. As células desse gênero apresentam-se em pares ou em cadeias. São aeróbios estritos e oxidam a molécula do etanol a ácido acético.   
O nome Gluconobacter vem da característica do gênero de oxidar a glicose em ácido glucorônico. A espécie representante deste gênero é o Gluconobacter oxydans, encontrado em alimentos, vegetais, frutas, fermento de padaria, cerveja, vinho, cidra e vinagre.   
Fatores de crescimento: As espécies do gênero Acetobacter tem algumas exigências nutricionais, tais como algumas vitaminas do complexo B, a saber, tiamina, ácido pantotênico e ácido nicotínico. Além disso, algumas espécies demonstram a necessidade do ácido p-aminobenzóico. As necessidades vitamínicas podem ser supridas com o uso de água de maceração do milho, extrato de leveduras, lisado de leveduras, malte ou extrato de malte.

Algumas espécies necessitam que sejam colocados no meio de cultura aminoácidos como fontes de nitrogênio. Por outro lado, Acetobacter oxydans, Acetobacter rancens e Acetobacter melanogenus não necessitam de valina, cistina, histidina, alanina e isoleucina.

Mecanismo de fermentação

Bioquimicamente, os Acetobacter realizam processos catabólicos e anabólicos por aerobiose e anaerobiose. É de interesse industrial o catabolismo oxidante aeróbio de álcoois e açúcares, realizado por microrganismos, usados na produção de ácido acético ou de vinagre.  
O mecanismo de produção do ácido acético ocorre em duas etapas:   

1º) É formado o acetaldeído por oxidação; 

2º) O acetaldeído é convertido a ácido acético: (75% do acetaldeído é convertido a ácido acético e os 25% restantes a etanol)

Produção do Vinagre:  

Para a produção do vinagre, são utilizados membros do gênero Acetobacter. A bactéria Acetobacter aceti utiliza o etanol, produzindo ácido acético, por isso é de grande interesse tecnológico. Outras espécies como o Acetobacter suboxydans, Acetobacter melanogenus, Acetobacter xylinum e Acetobacter rancens comportam-se de modo semelhante, desde que sejam adicionados ao meio, inicialmente em pequenas quantidades de glicose, frutose, glicerol ou manitol.

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